George Orwell escreveu a distopia “1984” quarenta anos antes do ano que dá título ao livro, na década de 1940. Nos anos 80 do século vinte, Ignácio de Loyola Brandão escreveu uma distopia cujo enredo se passa em São Paulo em um futuro que poderia ocorrer quarenta anos após a publicação. Se você fizer as contas, 40 anos após os anos 1980 apontarão para os nossos dias. O romance de Ignácio de Loyola Brandão “Não Verás País Nenhum” se passa em um futuro incerto, mas bem que poderia descrever o mundo que nos cerca hoje.
Vivemos tempos de incerteza, de terror, de perdas, de morte. Centenas de pessoas morrem todos os dias há meses no Brasil. O país não apresenta soluções, as lideranças se ausentam, o Ministério da Saúde nega a doença e pede para as pessoas não se protegerem da morte, que está no ar. Trump e Bolsonaro seguem populares. O absurdo dos nossos dias pauta o enredo do romance distópico de Loyola Brandão: um homem não consegue entender o fato de sua mulher desaparecer sem dar notícias; sua casa é invadida por estranhos que passam a morar ali e se apossar dos móveis; a comida desaparece; o emprego o aposenta; o livre-arbítrio passa a ser comandado pelo governo de de um Brasil que apagou a memória do povo; a cidade de São Paulo é um espaço árido e habitado por pessoas que se aglomeram em sujeira, sede e em acusações sem provas.
Ler este livro de Loyola Brandão hoje traz um amargo gosto de espelho. Um espelho que mostra a quem o encara a visão de que o país nenhum que não verás está se afirmando por inteiro na fumaça amazônica que arde no olho que o vê dentro e fora do livro. Em quarentena, li “Não Verás País Nenhum” e, a cada página, eu me via na história. Este romance nunca foi tão atual no Brasil.
English – George Orwell wrote the dystopia “1984” forty years before the year that gave the book its title, in the 1940s. In the 1980s, Ignácio de Loyola Brandão wrote a dystopia whose story takes place in São Paulo in a future that could take place forty years after its publication. If you do the math, 40 years after the 1980s will point to our day. Ignácio de Loyola Brandão’s novel “Não Verás País Nenhum” (“You Shall See No Country”) takes place in an uncertain future, but it could well describe the world around us today.
We live in times of uncertainty, of terror, of losses, of death. Hundreds of people have died every day for months in Brazil. The country has no solutions to it, the leaders are absent, the Ministry of Health denies the disease and asks people not to protect themselves from death, which is in the air. Trump and Bolsonaro remain popular. The absurdity of our days guides the plot of Loyola Brandão’s dystopian novel: a man cannot understand the fact that his wife disappears without any previous warning; his house is invaded by strangers who start to live there and get hold of the furniture; the food disappears; employment retires you; free will starts to be commanded by the government of a Brazil that erased the memory of its people; the city of São Paulo is an arid space inhabited by people who crowd in dirt, thirst and in accusations without proof.
Reading this book by Loyola Brandão today brings a bitter taste of mirror. A mirror that shows the viewer that the country that you shall not see is asserting itself entirely in the Amazonian smoke that burns down in the eye that sees it inside and outside the book. In self-isolation, I read “Não Verás País Nenhum” (“You Shall See No Country”) and, on each page, I saw myself in the plot. This novel has never been as real in Brazil as it is today.
Estamos avançando até Mad Max.
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Avançando para trás, né, Jobi?
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Estamos vendo a ficção virar realidade
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Pois é, Sandy: a arte imita a vida imita a ficção imita a vida.
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E não é mera coincidência. Ou é?
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Não é coincidência. É a conexão entre a arte e a realidade.
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Triste e cruel.
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Sim, Iris, muito cruel.
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Torcendo por dias melhores.
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Sim, Marcelle, sigamos na resistência.
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Há anos li, depois vi o filme depois a peça de teatro. E hoje você complementa. Parabéns!!!
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Valeu, Zé Paulo: vindo de um diretor teatral, conhecedor da literatura, seu comentário é um cafuné no ego. Abraço!
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É verdade, Anderson, tão atual que, nos últimos tempos, frequentemente surge nas minhas conversas com as mais variadas pessoas. Li no inicio dos anos 80 e até hoje se faz presente em minha memória que se assusta com uma ficção, hoje tão real e presente.
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O Loyola foi capaz de criar uma ficção bastante conectada com a ganância humana. Assim, parece que está escrevendo sobre a realidade.
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